quinta-feira, 19 de julho de 2018

NÃO É NEM QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO RELIGIOSA, MAS HISTÓRICA MESMO




            O ímpeto desenfreado e a cegueira espiritual de querer impôr a sua religião e achar, soberbamente, que o Estado não pode ser laico ( embora não tenha que ser laicista), faz algumas pessoas cometerem, não apenas erros de interpretação bíblica, mas, também histórica.
            Vale lembrar que, sou cristão evangélico e, tenho por convicção que, Jesus Cristo nos deu a sublime missão de pregar o evangelho a toda criatura. Cremos que, segundo as Escrituras, Jesus Cristo é o único caminho, verdade e vida, portanto, iremos ser proselitistas sim, não por querermos cegamente um quantitativo, mas sim, pela alegria de vermos pessoas serem alcançadas pela graça de Deus.
Contudo, isso de forma alguma pode ser feito por imposição, quer da igreja e, muito menos do Estado. Jesus Cristo mesmo deixou  claro que existe a distinção entre Igreja e Estado: “ Daí pois a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” Mt 22:21. Aliás, a Igreja, em si mesma, não é para ser um Estado (país) terreno. Existem inúmeros textos da Bíblia que nos falam disso. Em Fil 3:20,21, Paulo nos afirma que a nossa pátria está nos céus; II Cor 5: 20, está escrito que somos embaixadores de Cristo neste mundo; Jo 17:14, Jesus Cristo disse que não somos desse mundo, assim como Ele também não é. Claro, isso não tira, enquanto indivíduos, a nossa cidadania terrena, incluindo direitos e responsabilidades. O que digo é que a Igreja, enquanto corpo de Cristo na  terra, não é um Estado (país), terreno!
A Igreja, no seu sentido  coletivo, é o subproduto de milhões e milhões de indivíduos que tiveram um encontro pessoal com Jesus Cristo e passaram pelo novo nascimento, que é efetuado pelo Espírito Santo. Sim, o coletivo é a obra feita em cada indivíduo. Não existe, querer dizer que uma cidade inteira, ou um país inteiro tornou-se cristão de verdade, se isso não for a conseqüência da obra realizada em cada indivíduo. Portanto, não se pode decretar, por lei ou força, que um Império, ou Estado seja cristão, se isso não for uma decisão voluntária da pessoa, de entregar a sua vida a  Jesus, e ter os seus pecados perdoados por Ele.
Todos sabemos que, tanto a transformação do Cristianismo em religião oficial do Império Romano, como as cruzadas medievais, que faziam povos inteiros se tornarem cristãos por meio da espada, não surtiram um efeito positivo para o que se pode entender como verdadeira Igreja de Cristo. No caso do Império Romano, abriu-se uma brecha enorme para a influência e intromissão dos imperadores nas decisões do Cristianismo ( quem pesquisa sabe que foi assim), além da perseguição e morte aos que não se “convertiam”.
O Brasil colônia era caracterizado por um forte preconceito religioso, chegando mesmo ao grau de perseguição, para quem não fosse da religião dos colonizadores, como cita Soriano ( 2002, pág. 68) “ O português considerava igual seu aquele que tinha a mesma religião. Não se importava com a raça. O importante, para ele, que o estrangeiro professasse a religião Católica. O não católico era temido como um adversário político, capaz de enfraquecer a estrutura colonial desenvolvida em parceria com a religião Católica.”. Só com a chegada da coroa portuguesa ao Brasil ( 1808), que foi seguida da abertura dos Portos e o tratado comercial ( 1810), por causa dos interesses econômicos de Portugal com a Inglaterra, é que começou a existir, mesmo que limitado, um senso de liberdade religiosa no Brasil. Isso é tanto verdade que, se formos ver as datas das primeiras igrejas evangélicas a chegarem ao Brasil, oficialmente, sem conflitos, são a partir desse período.
Com a independência do Brasil ( 1822), houve a promulgação da Constituição de 1824, que trouxe certa liberdade, porém, ao declarar o catolicismo como religião oficial,  ela impunha sérios limites aos cidadãos que não seguisse a religião oficial, e seguisse outra linha religiosa, como por exemplo, o fato de poderem exercerem a sua fé, desde que não fizessem proselitismo ( conversão de outros), e exercessem a sua fé, somente em sua casa, e nunca fora dos locais de seu culto. Não poderia, por exemplo, fazer um evento publico, na rua.  Leia alguns trechos da Constituição de 1824:
“ A Religião Cathólica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do templo” Art.5.
            Quem não fosse católico, não tinha direitos políticos plenos, pois não poderia candidatar-se a Deputado. Veja:
“ Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados. Exceptuam-se:

I.Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda líquida, na forma dos Arts. 92 e 94
II. Os estrangeiros naturalisados.
III. Os que não professarem a Religião do Estado.” Art. 95

            Além disso, o Imperador, e os Conselheiros do Império, ao assumirem, deveriam, segundo esta Constituição, prometerem manter a religião Oficial do Estado.
            Dois eventos próximos em suas datas, portanto, dentro de uma mesmo contexto histórico, marcaram a necessidade de uma nova Constiuição. Em 1888 houve a abolição da escravatura e, um ano depois, a Proclamação da República ( 1889). Dois anos depois, em 1891, houve a Promulgação de uma nova Constituição, a primeira que declarava ser o Brasil um Estado Laico, dando, assim, mais direitos aos que não professavam a religião oficial do Estado. Entre idas e vindas de outras Constituições que apareceram, chegamos à Constituição de 1988, que, mantém o Brasil um Estado Laico, e dá plena liberdade de culto a todas as religiões, com proteção do Estado aos seus cultos, tanto internos, como externos. É direito Constitucional, a todas as religiões! Claro, obedecendo às leis da ordem pública!
            Bom, dito isto, é importante lembrar que, existiram aspectos internos em diferentes páises, que influenciaram esta questão de laicidade e regime de Estado.Ou seja, é um enorme equívoco histórico, afirmar que, um determinado regime de governo tenha sido, ou apenas vilão, ou herói no processo democrático. Afirmar, por exemplo, que, a República foi subproduto do protestantismo, e por isso, não representa a democracia, é, além de uma afirmação preconceituosa, um enorme equívoco histórico. Sim, é erro histórico mesmo. Uma pessoa não pode, só porque não gosta da América do Norte, que foi fundada sob uma forte influência religião Protestante, afirmar que a República foi fundada por causa dela, e que, não representa a democracia, defendendo, unicamente a monarquia Católica.Até porque, a República norte americana recebeu influência da revolução francesa, e dos franceses, que, embora tenham proclamado a laicidade do seu Estado, não tornou-se uma nação de maioria Protestante, mas sim, continuou de maioria católica ( claro que, a Noite de São Bartolomeu, no final do séc. XVI, onde milhares de Protestantes hugenotes foram brutalmente assassinados pelo rei Carlos IX, numa monarquia religiosa, onde o que imperava era o clero romano, contribuiu muito para isso).
            É claro que, devemos ter a honestidade de admitir que, mesmo que  professemos uma fé diferente do outro, isso não nos dá o direito de omitir ou de mentir, sobre as qualidades e benefícios que outros grupos possam ter exercidos na construção da sociedade. Isso não é uma questão de doutrina ou de eternidade, é questão de cidadania. Um exemplo disso, é o fato de que, embora eu não concorde com a construção moral e social da cultura greco/romana, nem com o seu politeísmo e seu henoteísmo, contudo, ninguém pode negar os benefícios que esses povos exerceram na construção do mundo ocidental, tanto na área da cultura, como na jurídica. O que falar, então dos judeus! ninguém abençoou tanto o mundo, no aspecto religioso, como este povo. Sim, a cultura judaico/cristã nos deu a herança moral do mundo ocidental cristão!
            Não se pode, portanto, afirmar que, só o sistema x, com sua religião, representa a verdadeira democracia. A América do Norte, que é sim,  um dos mais fortes governos democráticos do planeta, além de ser, ainda, a maior potência econômica, bélica e tecnológica do mundo, é uma República, que foi fundada sob a influência Protestante, mas não significa que teremos que atribuir o regime Republicano ao Protestantismo, até porque, a Inglaterra, que tornou-se Anglicana ( Protestante) não virou uma República, mas sim continuou sendo uma Monarquia, sendo que tornou-se Parlamentarista.             A Polônia, de maioria Católica, é uma República, Parlamentarista. A Suécia, de maioria Protestante, é uma Monarquia, Parlamentarista. A Dinamarca, com grande maioria Protestante, é uma Monarquia parlamentarista.
            Concluo, afirmando que, para defendermos nossas posições, principalmente religiosas, é importante que busquemos o caminho da verdade, da pesquisa isenta ( não tendenciosa), e, mesmo que tenhamos o desejo de ver a nossa profissão de fé, ou nosso segmento religioso crescendo, que o façamos no ímpeto do direito à liberdade de teses e idéias, da liberdade de escolha e, do respeito. Todos têm o direito de exercer a sua fé. O Brasil não é apenas de uma religião! Cada um exerça o seu legítimo proselitismo. Cada um tem o direito de se converter ao que quiser. Eu, como evangélico, vou continuar pregando que Jesus Cristo é o único caminho, verdade e vida. É o salvador de toda a humanidade! É meu direito! Aproveito, para, dentro do meu direito Constitucional, dizer...
Jesus te ama!

Deus te abençoe!

Pr. Cláudio César Laurindo da Silva.