O
ímpeto desenfreado e a cegueira espiritual de querer impôr a sua religião e
achar, soberbamente, que o Estado não pode ser laico ( embora não tenha que ser
laicista), faz algumas pessoas cometerem, não apenas erros de interpretação bíblica,
mas, também histórica.
Vale
lembrar que, sou cristão evangélico e, tenho por convicção que, Jesus Cristo
nos deu a sublime missão de pregar o evangelho a toda criatura. Cremos que,
segundo as Escrituras, Jesus Cristo é o único caminho, verdade e vida,
portanto, iremos ser proselitistas sim, não por querermos cegamente um
quantitativo, mas sim, pela alegria de vermos pessoas serem alcançadas pela
graça de Deus.
Contudo, isso
de forma alguma pode ser feito por imposição, quer da igreja e, muito menos do
Estado. Jesus Cristo mesmo deixou claro
que existe a distinção entre Igreja e Estado: “ Daí pois a César o que é de César
e a Deus o que é de Deus” Mt 22:21. Aliás, a Igreja, em si mesma, não é para
ser um Estado (país) terreno. Existem inúmeros textos da Bíblia que nos falam
disso. Em Fil 3:20,21, Paulo nos afirma que a nossa pátria está nos céus; II
Cor 5: 20, está escrito que somos embaixadores de Cristo neste mundo; Jo 17:14,
Jesus Cristo disse que não somos desse mundo, assim como Ele também não é.
Claro, isso não tira, enquanto indivíduos, a nossa cidadania terrena, incluindo
direitos e responsabilidades. O que digo é que a Igreja, enquanto corpo de
Cristo na terra, não é um Estado (país),
terreno!
A Igreja, no
seu sentido coletivo, é o subproduto de
milhões e milhões de indivíduos que tiveram um encontro pessoal com Jesus
Cristo e passaram pelo novo nascimento, que é efetuado pelo Espírito Santo.
Sim, o coletivo é a obra feita em cada indivíduo. Não existe, querer dizer que
uma cidade inteira, ou um país inteiro tornou-se cristão de verdade, se isso não
for a conseqüência da obra realizada em cada indivíduo. Portanto, não se pode
decretar, por lei ou força, que um Império, ou Estado seja cristão, se isso não
for uma decisão voluntária da pessoa, de entregar a sua vida a Jesus, e ter os seus pecados perdoados por
Ele.
Todos sabemos
que, tanto a transformação do Cristianismo em religião oficial do Império Romano,
como as cruzadas medievais, que faziam povos inteiros se tornarem cristãos por
meio da espada, não surtiram um efeito positivo para o que se pode entender
como verdadeira Igreja de Cristo. No caso do Império Romano, abriu-se uma
brecha enorme para a influência e intromissão dos imperadores nas decisões do
Cristianismo ( quem pesquisa sabe que foi assim), além da perseguição e morte
aos que não se “convertiam”.
O Brasil colônia
era caracterizado por um forte preconceito religioso, chegando mesmo ao grau de
perseguição, para quem não fosse da religião dos colonizadores, como cita
Soriano ( 2002, pág. 68) “ O português considerava igual seu aquele que tinha a
mesma religião. Não se importava com a raça. O importante, para ele, que o
estrangeiro professasse a religião Católica. O não católico era temido como um
adversário político, capaz de enfraquecer a estrutura colonial desenvolvida em
parceria com a religião Católica.”. Só com a chegada da coroa portuguesa ao
Brasil ( 1808), que foi seguida da abertura dos Portos e o tratado comercial (
1810), por causa dos interesses econômicos de Portugal com a Inglaterra, é que
começou a existir, mesmo que limitado, um senso de liberdade religiosa no
Brasil. Isso é tanto verdade que, se formos ver as datas das primeiras igrejas
evangélicas a chegarem ao Brasil, oficialmente, sem conflitos, são a partir
desse período.
Com a independência
do Brasil ( 1822), houve a promulgação da Constituição de 1824, que trouxe
certa liberdade, porém, ao declarar o catolicismo como religião oficial, ela impunha sérios limites aos cidadãos que não
seguisse a religião oficial, e seguisse outra linha religiosa, como por exemplo,
o fato de poderem exercerem a sua fé, desde que não fizessem proselitismo (
conversão de outros), e exercessem a sua fé, somente em sua casa, e nunca fora
dos locais de seu culto. Não poderia, por exemplo, fazer um evento publico, na
rua. Leia alguns trechos da Constituição
de 1824:
“ A Religião
Cathólica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as
outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em
casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do templo” Art.5.
Quem
não fosse católico, não tinha direitos políticos plenos, pois não poderia
candidatar-se a Deputado. Veja:
“ Todos os que podem ser Eleitores,
abeis para serem nomeados. Exceptuam-se:
I.Os que não tiverem quatrocentos
mil réis de renda líquida, na forma dos Arts. 92 e 94
II. Os estrangeiros naturalisados.
III. Os que não professarem a
Religião do Estado.” Art. 95
Além
disso, o Imperador, e os Conselheiros do Império, ao assumirem, deveriam,
segundo esta Constituição, prometerem manter a religião Oficial do Estado.
Dois
eventos próximos em suas datas, portanto, dentro de uma mesmo contexto histórico,
marcaram a necessidade de uma nova Constiuição. Em 1888 houve a abolição da
escravatura e, um ano depois, a Proclamação da República ( 1889). Dois anos
depois, em 1891, houve a Promulgação de uma nova Constituição, a primeira que
declarava ser o Brasil um Estado Laico, dando, assim, mais direitos aos que não
professavam a religião oficial do Estado. Entre idas e vindas de outras
Constituições que apareceram, chegamos à Constituição de 1988, que, mantém o
Brasil um Estado Laico, e dá plena liberdade de culto a todas as religiões, com
proteção do Estado aos seus cultos, tanto internos, como externos. É direito
Constitucional, a todas as religiões! Claro, obedecendo às leis da ordem pública!
Bom,
dito isto, é importante lembrar que, existiram aspectos internos em diferentes
páises, que influenciaram esta questão de laicidade e regime de Estado.Ou seja,
é um enorme equívoco histórico, afirmar que, um determinado regime de governo
tenha sido, ou apenas vilão, ou herói no processo democrático. Afirmar, por
exemplo, que, a República foi subproduto do protestantismo, e por isso, não
representa a democracia, é, além de uma afirmação preconceituosa, um enorme equívoco
histórico. Sim, é erro histórico mesmo. Uma pessoa não pode, só porque não
gosta da América do Norte, que foi fundada sob uma forte influência religião
Protestante, afirmar que a República foi fundada por causa dela, e que, não
representa a democracia, defendendo, unicamente a monarquia Católica.Até
porque, a República norte americana recebeu influência da revolução francesa, e
dos franceses, que, embora tenham proclamado a laicidade do seu Estado, não
tornou-se uma nação de maioria Protestante, mas sim, continuou de maioria
católica ( claro que, a Noite de São Bartolomeu, no final do séc. XVI, onde
milhares de Protestantes hugenotes foram brutalmente assassinados pelo rei
Carlos IX, numa monarquia religiosa, onde o que imperava era o clero romano,
contribuiu muito para isso).
É
claro que, devemos ter a honestidade de admitir que, mesmo que professemos uma fé diferente do outro, isso não
nos dá o direito de omitir ou de mentir, sobre as qualidades e benefícios que
outros grupos possam ter exercidos na construção da sociedade. Isso não é uma
questão de doutrina ou de eternidade, é questão de cidadania. Um exemplo disso,
é o fato de que, embora eu não concorde com a construção moral e social da
cultura greco/romana, nem com o seu politeísmo e seu henoteísmo, contudo,
ninguém pode negar os benefícios que esses povos exerceram na construção do
mundo ocidental, tanto na área da cultura, como na jurídica. O que falar, então
dos judeus! ninguém abençoou tanto o mundo, no aspecto religioso, como este
povo. Sim, a cultura judaico/cristã nos deu a herança moral do mundo ocidental
cristão!
Não
se pode, portanto, afirmar que, só o sistema x, com sua religião, representa a
verdadeira democracia. A América do Norte, que é sim, um dos mais fortes governos democráticos do
planeta, além de ser, ainda, a maior potência econômica, bélica e tecnológica
do mundo, é uma República, que foi fundada sob a influência Protestante, mas não
significa que teremos que atribuir o regime Republicano ao Protestantismo, até porque,
a Inglaterra, que tornou-se Anglicana ( Protestante) não virou uma República,
mas sim continuou sendo uma Monarquia, sendo que tornou-se Parlamentarista. A Polônia, de maioria Católica, é
uma República, Parlamentarista. A Suécia, de maioria Protestante, é uma
Monarquia, Parlamentarista. A Dinamarca, com grande maioria Protestante, é uma
Monarquia parlamentarista.
Concluo,
afirmando que, para defendermos nossas posições, principalmente religiosas, é
importante que busquemos o caminho da verdade, da pesquisa isenta ( não
tendenciosa), e, mesmo que tenhamos o desejo de ver a nossa profissão de fé, ou
nosso segmento religioso crescendo, que o façamos no ímpeto do direito à
liberdade de teses e idéias, da liberdade de escolha e, do respeito. Todos têm
o direito de exercer a sua fé. O Brasil não é apenas de uma religião! Cada um
exerça o seu legítimo proselitismo. Cada um tem o direito de se converter ao
que quiser. Eu, como evangélico, vou continuar pregando que Jesus Cristo é o único
caminho, verdade e vida. É o salvador de toda a humanidade! É meu direito!
Aproveito, para, dentro do meu direito Constitucional, dizer...
Jesus te ama!
Deus te abençoe!
Pr. Cláudio César Laurindo da
Silva.